top of page

Dívida pública sustentável: afinal, quanto um país como o Brasil pode dever?

Entenda o que é dívida pública sustentável. Brasil está em 77-80% do PIB: é sustentável? Análise com dados 2025, juros, crescimento e comparações.


Gráfico de linha mostrando a evolução da dívida bruta do governo geral brasileiro  em percentual do PIB entre 2014 e 2024. A linha começa em 61,9% em 2014, aumenta  gradualmente até 96,0% em 2020 (marcado como "Pico da pandemia"), e então reduz  para 74,4% em 2023, terminando em 76,1% em 2024. Uma linha tracejada vermelha  marca o nível de 96% como referência.
Evolução da Dívida Bruta do Governo Geral do Brasil de 2014 a 2024 (% do PIB).

Publicado em 16/10/2025 / 08:00

Por Ricardo São Pedro (@radiumweb)


Falar em dívida pública costuma assustar. Não é raro ouvirmos que "o país está quebrado" ou que "o governo gasta mais do que arrecada". Mas para compreender o que realmente significa uma dívida pública sustentável, é preciso ir além dos números soltos e entender como esses valores se relacionam com a capacidade econômica do país.


Neste artigo, vamos explicar de forma simples o que significa ter uma dívida pública sob controle, por que isso importa e qual seria uma faixa razoável para o Brasil.


O que é dívida pública e por que ela cresce


A dívida pública é o dinheiro que o governo toma emprestado para cobrir despesas que não consegue pagar com a arrecadação de impostos. Essa dívida cresce quando o Estado gasta mais do que arrecada — gerando o chamado déficit fiscal.


Mas atenção: ter dívida não é, por si só, um problema. Na verdade, quase todos os países do mundo têm dívidas. O ponto central está na capacidade de pagar essa dívida ao longo do tempo sem comprometer o funcionamento da economia.


O indicador-chave: dívida em relação ao PIB


A forma mais usada para medir o tamanho da dívida de um país é a razão dívida/PIB — ou seja, quanto o governo deve em relação a tudo o que a economia produz em um ano.


Imagine uma família com uma renda de R$ 10 mil por mês. Uma dívida de R$ 100 mil pode ser administrável. Mas se a renda cair para R$ 5 mil, essa mesma dívida se torna muito mais pesada. O raciocínio com o país é semelhante: não basta olhar o valor da dívida — é preciso ver se a economia tem força para sustentá-la.


Quando a dívida é sustentável


Dizemos que a dívida é sustentável quando o país consegue mantê-la estável ou até reduzi-la ao longo do tempo sem precisar de cortes drásticos ou aumentos bruscos de impostos.


Três fatores determinam isso:


Juros reais da dívida (r): quanto o governo paga de juros descontada a inflação.

Crescimento econômico (g): quanto o PIB cresce de verdade.

Resultado primário: diferença entre arrecadação e gastos antes dos juros.


A regra é simples: se os juros crescem mais rápido que a economia, o governo precisa gerar superávit (economizar) para evitar que a dívida dispare.


A situação brasileira hoje: um cenário preocupante


Segundo dados recentes, a dívida bruta do país estava em 76,1% do PIB em 2024, mas a trajetória é ascendente. Em meados de 2025, o indicador já havia alcançado 77,6% do PIB, com projeções apontando para patamares entre 80% e 92% do PIB nos próximos anos, dependendo do cenário fiscal adotado.


Isso significa que, para cada R$ 1 que a economia produz, o governo deve entre R$ 0,77 e R$ 0,80 — e esse número está crescendo.


O desafio multiplicado pelos juros altos


O maior problema está na combinação explosiva de fatores:


Juros reais entre os mais altos do mundo: Com a Selic em 15% ao ano e inflação projetada entre 4-5%, os juros reais brasileiros estão em torno de 10-11% ao ano — o segundo maior juro real do mundo.


Crescimento econômico modesto: O PIB brasileiro cresce cerca de 2-2,4% ao ano.


Diferença crítica (r - g): A diferença entre juros reais e crescimento é de aproximadamente 8 pontos percentuais, o dobro do considerado administrável.


O círculo vicioso


Essa combinação cria um ciclo perigoso:


  1. Juros altos aumentam o custo de carregamento da dívida

  2. Mais gastos com juros ampliam o déficit público

  3. Déficit maior eleva a dívida total

  4. Dívida crescente aumenta o risco fiscal

  5. Risco maior exige juros ainda mais altos para atrair investidores


Nesse cenário, a dívida cresce de forma quase automática, mesmo sem novos gastos. O país fica refém dos juros da própria dívida.


Déficit primário: o problema adicional


Para piorar, o Brasil registrou déficit primário de 0,4% do PIB em 2024. Isso significa que o governo gastou mais do que arrecadou antes mesmo de pagar os juros da dívida. Ou seja, não apenas não conseguimos economizar para reduzir o endividamento, como ainda estamos aumentando a dívida por outras despesas.


Quanto seria "seguro" dever?


Não existe um número mágico que sirva para todos os países. Economias desenvolvidas conseguem sustentar dívidas maiores porque pagam juros mais baixos e têm mais credibilidade institucional.


Mas para países emergentes, como o Brasil, especialistas do Fundo Monetário Internacional e do Instituto Fiscal Independente indicam que uma faixa entre 60% e 70% do PIB é mais confortável.


Abaixo de 60-70%: O país tem mais folga para enfrentar crises e investir em políticas públicas.


Entre 70-80%: Zona de atenção. Requer disciplina fiscal e monitoramento constante.


Acima de 80%: A dívida começa a pressionar juros, aumentar riscos e limitar o orçamento público.


Acima de 90-100%: O risco fiscal se eleva bastante, exigindo ajustes difíceis e podendo comprometer a capacidade de investimento do Estado.


O que seria necessário para estabilizar a dívida?


Para estabilizar a dívida no patamar atual (77-80%), o Brasil precisaria de um superávit primário em torno de 3,5% a 4% do PIB — um esforço fiscal imenso, considerando que hoje temos déficit de 0,4%.


As alternativas seriam:


  • Reduzir drasticamente os juros reais

  • Acelerar significativamente o crescimento econômico

  • Ou uma combinação de ambos, com disciplina fiscal rigorosa


O que isso significa para a sociedade


A dívida pública não é um tema técnico distante da vida das pessoas. Quando o país perde o controle da dívida, os efeitos aparecem de forma concreta:


Juros mais altos para famílias e empresas: O custo do crédito aumenta para todos.

Menos recursos para investimentos públicos: Mais dinheiro vai para juros, menos sobra para saúde, educação e infraestrutura.

Maior risco de cortes em serviços essenciais: Ajustes fiscais costumam afetar justamente os mais vulneráveis.

Dificuldade para financiar políticas sociais: O espaço orçamentário fica cada vez mais limitado.

Perda de credibilidade internacional: Investidores exigem retornos maiores, encarecendo ainda mais o endividamento.


Por outro lado, uma dívida bem administrada traz estabilidade, reduz custos de financiamento e abre espaço para políticas que promovem crescimento e inclusão social.


Lições internacionais


A história econômica mundial oferece exemplos instrutivos:


Casos de sucesso: O Canadá, nos anos 1990, conseguiu reduzir sua dívida de 66% para 30% do PIB em duas décadas, através de disciplina fiscal, reformas estruturais e aproveitamento do crescimento econômico.

Casos problemáticos: Grécia (que chegou a 180% do PIB) e Argentina enfrentaram crises graves quando perderam o controle de suas dívidas, resultando em recessões profundas e sofrimento social intenso.


A diferença entre os caminhos está na capacidade de agir preventivamente, antes que a dívida atinja níveis insustentáveis.


Para onde vamos?


A sustentabilidade da dívida não depende apenas do tamanho do endividamento, mas da relação entre juros, crescimento e disciplina fiscal. Para um país como o Brasil, uma dívida entre 60% e 70% do PIB é considerada mais segura. Acima disso — e o Brasil já está em 77-80% — o esforço fiscal necessário para estabilizar as contas públicas cresce de forma significativa.


Com juros reais de 10-11% e crescimento de apenas 2-2,4%, a matemática da dívida trabalha contra o país. Cada ano sem superávit primário robusto adiciona mais pressão ao sistema.

Em outras palavras:


"O problema não é dever. O problema é não mostrar como vai pagar."


O debate fiscal brasileiro precisa olhar menos para slogans e mais para os números que determinam a trajetória da dívida. Essa é a base para uma economia estável, previsível e com espaço para investimentos sociais e produtivos.


A janela para ajustes ainda existe, mas está se fechando. Quanto mais tempo o país demorar para enfrentar esse desafio, mais difícil e custoso será o ajuste necessário.


Ricardo São Pedro é engenheiro civil com MBA em Planejamento Financeiro Pessoal e Familiar. Atua como educador e planejador financeiro, promovendo a educação financeira como instrumento de cidadania e transformação social. Idealizador da web rádio Radium, produz e apresenta programas que integram finanças, bem-estar e temas relevantes para a vida dos brasileiros. Também assina artigos no blog da rádio e participa de projetos voltados à inclusão e à segurança financeira das famílias.

Comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
bottom of page