Dívida pública sustentável: afinal, quanto um país como o Brasil pode dever?
- Ricardo São Pedro

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Entenda o que é dívida pública sustentável. Brasil está em 77-80% do PIB: é sustentável? Análise com dados 2025, juros, crescimento e comparações.

Publicado em 16/10/2025 / 08:00
Por Ricardo São Pedro (@radiumweb)
Falar em dívida pública costuma assustar. Não é raro ouvirmos que "o país está quebrado" ou que "o governo gasta mais do que arrecada". Mas para compreender o que realmente significa uma dívida pública sustentável, é preciso ir além dos números soltos e entender como esses valores se relacionam com a capacidade econômica do país.
Neste artigo, vamos explicar de forma simples o que significa ter uma dívida pública sob controle, por que isso importa e qual seria uma faixa razoável para o Brasil.
O que é dívida pública e por que ela cresce
A dívida pública é o dinheiro que o governo toma emprestado para cobrir despesas que não consegue pagar com a arrecadação de impostos. Essa dívida cresce quando o Estado gasta mais do que arrecada — gerando o chamado déficit fiscal.
Mas atenção: ter dívida não é, por si só, um problema. Na verdade, quase todos os países do mundo têm dívidas. O ponto central está na capacidade de pagar essa dívida ao longo do tempo sem comprometer o funcionamento da economia.
O indicador-chave: dívida em relação ao PIB
A forma mais usada para medir o tamanho da dívida de um país é a razão dívida/PIB — ou seja, quanto o governo deve em relação a tudo o que a economia produz em um ano.
Imagine uma família com uma renda de R$ 10 mil por mês. Uma dívida de R$ 100 mil pode ser administrável. Mas se a renda cair para R$ 5 mil, essa mesma dívida se torna muito mais pesada. O raciocínio com o país é semelhante: não basta olhar o valor da dívida — é preciso ver se a economia tem força para sustentá-la.
Quando a dívida é sustentável
Dizemos que a dívida é sustentável quando o país consegue mantê-la estável ou até reduzi-la ao longo do tempo sem precisar de cortes drásticos ou aumentos bruscos de impostos.
Três fatores determinam isso:
Juros reais da dívida (r): quanto o governo paga de juros descontada a inflação.
Crescimento econômico (g): quanto o PIB cresce de verdade.
Resultado primário: diferença entre arrecadação e gastos antes dos juros.
A regra é simples: se os juros crescem mais rápido que a economia, o governo precisa gerar superávit (economizar) para evitar que a dívida dispare.
A situação brasileira hoje: um cenário preocupante
Segundo dados recentes, a dívida bruta do país estava em 76,1% do PIB em 2024, mas a trajetória é ascendente. Em meados de 2025, o indicador já havia alcançado 77,6% do PIB, com projeções apontando para patamares entre 80% e 92% do PIB nos próximos anos, dependendo do cenário fiscal adotado.
Isso significa que, para cada R$ 1 que a economia produz, o governo deve entre R$ 0,77 e R$ 0,80 — e esse número está crescendo.
O desafio multiplicado pelos juros altos
O maior problema está na combinação explosiva de fatores:
Juros reais entre os mais altos do mundo: Com a Selic em 15% ao ano e inflação projetada entre 4-5%, os juros reais brasileiros estão em torno de 10-11% ao ano — o segundo maior juro real do mundo.
Crescimento econômico modesto: O PIB brasileiro cresce cerca de 2-2,4% ao ano.
Diferença crítica (r - g): A diferença entre juros reais e crescimento é de aproximadamente 8 pontos percentuais, o dobro do considerado administrável.
O círculo vicioso
Essa combinação cria um ciclo perigoso:
Juros altos aumentam o custo de carregamento da dívida
Mais gastos com juros ampliam o déficit público
Déficit maior eleva a dívida total
Dívida crescente aumenta o risco fiscal
Risco maior exige juros ainda mais altos para atrair investidores
Nesse cenário, a dívida cresce de forma quase automática, mesmo sem novos gastos. O país fica refém dos juros da própria dívida.
Déficit primário: o problema adicional
Para piorar, o Brasil registrou déficit primário de 0,4% do PIB em 2024. Isso significa que o governo gastou mais do que arrecadou antes mesmo de pagar os juros da dívida. Ou seja, não apenas não conseguimos economizar para reduzir o endividamento, como ainda estamos aumentando a dívida por outras despesas.
Quanto seria "seguro" dever?
Não existe um número mágico que sirva para todos os países. Economias desenvolvidas conseguem sustentar dívidas maiores porque pagam juros mais baixos e têm mais credibilidade institucional.
Mas para países emergentes, como o Brasil, especialistas do Fundo Monetário Internacional e do Instituto Fiscal Independente indicam que uma faixa entre 60% e 70% do PIB é mais confortável.
Abaixo de 60-70%: O país tem mais folga para enfrentar crises e investir em políticas públicas.
Entre 70-80%: Zona de atenção. Requer disciplina fiscal e monitoramento constante.
Acima de 80%: A dívida começa a pressionar juros, aumentar riscos e limitar o orçamento público.
Acima de 90-100%: O risco fiscal se eleva bastante, exigindo ajustes difíceis e podendo comprometer a capacidade de investimento do Estado.
O que seria necessário para estabilizar a dívida?
Para estabilizar a dívida no patamar atual (77-80%), o Brasil precisaria de um superávit primário em torno de 3,5% a 4% do PIB — um esforço fiscal imenso, considerando que hoje temos déficit de 0,4%.
As alternativas seriam:
Reduzir drasticamente os juros reais
Acelerar significativamente o crescimento econômico
Ou uma combinação de ambos, com disciplina fiscal rigorosa
O que isso significa para a sociedade
A dívida pública não é um tema técnico distante da vida das pessoas. Quando o país perde o controle da dívida, os efeitos aparecem de forma concreta:
Juros mais altos para famílias e empresas: O custo do crédito aumenta para todos.
Menos recursos para investimentos públicos: Mais dinheiro vai para juros, menos sobra para saúde, educação e infraestrutura.
Maior risco de cortes em serviços essenciais: Ajustes fiscais costumam afetar justamente os mais vulneráveis.
Dificuldade para financiar políticas sociais: O espaço orçamentário fica cada vez mais limitado.
Perda de credibilidade internacional: Investidores exigem retornos maiores, encarecendo ainda mais o endividamento.
Por outro lado, uma dívida bem administrada traz estabilidade, reduz custos de financiamento e abre espaço para políticas que promovem crescimento e inclusão social.
Lições internacionais
A história econômica mundial oferece exemplos instrutivos:
Casos de sucesso: O Canadá, nos anos 1990, conseguiu reduzir sua dívida de 66% para 30% do PIB em duas décadas, através de disciplina fiscal, reformas estruturais e aproveitamento do crescimento econômico.
Casos problemáticos: Grécia (que chegou a 180% do PIB) e Argentina enfrentaram crises graves quando perderam o controle de suas dívidas, resultando em recessões profundas e sofrimento social intenso.
A diferença entre os caminhos está na capacidade de agir preventivamente, antes que a dívida atinja níveis insustentáveis.
Para onde vamos?
A sustentabilidade da dívida não depende apenas do tamanho do endividamento, mas da relação entre juros, crescimento e disciplina fiscal. Para um país como o Brasil, uma dívida entre 60% e 70% do PIB é considerada mais segura. Acima disso — e o Brasil já está em 77-80% — o esforço fiscal necessário para estabilizar as contas públicas cresce de forma significativa.
Com juros reais de 10-11% e crescimento de apenas 2-2,4%, a matemática da dívida trabalha contra o país. Cada ano sem superávit primário robusto adiciona mais pressão ao sistema.
Em outras palavras:
"O problema não é dever. O problema é não mostrar como vai pagar."
O debate fiscal brasileiro precisa olhar menos para slogans e mais para os números que determinam a trajetória da dívida. Essa é a base para uma economia estável, previsível e com espaço para investimentos sociais e produtivos.
A janela para ajustes ainda existe, mas está se fechando. Quanto mais tempo o país demorar para enfrentar esse desafio, mais difícil e custoso será o ajuste necessário.
Ricardo São Pedro é engenheiro civil com MBA em Planejamento Financeiro Pessoal e Familiar. Atua como educador e planejador financeiro, promovendo a educação financeira como instrumento de cidadania e transformação social. Idealizador da web rádio Radium, produz e apresenta programas que integram finanças, bem-estar e temas relevantes para a vida dos brasileiros. Também assina artigos no blog da rádio e participa de projetos voltados à inclusão e à segurança financeira das famílias.










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