Inflação Oficial x Inflação Sentida: Por que o Seu Carrinho de Compras Parece Mais Caro?
- Ricardo São Pedro
- 19 de set.
- 4 min de leitura

Publicado em 19/09/2025
Por Ricardo São Pedro (@radiumweb)
O Desabafo que Representa Milhões de Brasileiros
Recentemente, um ouvinte da rádio me escreveu contando sua experiência. Ele fez as compras do mês com lista na mão e limite de gastos definido. Mesmo assim, ao passar no caixa, a conta ultrapassou quase duzentos reais do valor planejado.
E a dúvida que ficou foi direta: "Se os jornais dizem que há deflação, por que sinto exatamente o contrário no supermercado?"
Essa pergunta resume a sensação de milhões de brasileiros que não conseguem enxergar no dia a dia o alívio que os índices oficiais prometem.
A Diferença Entre o Índice e a Realidade
A inflação que aparece no noticiário é calculada com base em uma cesta de bens e serviços médios, que inclui de tudo um pouco: alimentação, transporte, energia, saúde, educação, lazer, entre outros.
O problema é que essa média não representa fielmente a vida de cada família.
Se a gasolina cai de preço, o índice geral pode recuar, mas isso não traz benefício algum para quem não tem carro. Por outro lado, se o arroz, o feijão e o leite aumentam, o impacto sobre o orçamento doméstico é imediato e pesado — principalmente para quem concentra seus gastos na alimentação básica.
O cenário atual ilustra perfeitamente essa disparidade: em agosto de 2025, o Brasil registrou deflação oficial de -0,11%, com alimentos e bebidas apresentando deflação pelo terceiro mês consecutivo. Contudo, o IPCA acumulado nos últimos 12 meses ainda está em 5,13% — bem acima da meta de inflação de 3% estabelecida pelo governo.
Isso significa que, mesmo com deflação recente, os preços acumulados do último ano ainda pesam no orçamento familiar, especialmente para quem concentra seus gastos nos itens essenciais.
É aí que surge a contradição: enquanto a macroeconomia mostra deflação mensal, a experiência acumulada dos últimos meses ainda reflete o impacto de aumentos anteriores, especialmente nos produtos que mais pesam no orçamento das famílias.
Macro x Microeconomia: O Que Isso Significa na Prática
A inflação oficial é um indicador macroeconômico, voltado para medir o comportamento médio dos preços e orientar políticas públicas. Ela serve para que o governo e o Banco Central tomem decisões sobre juros, metas fiscais e políticas econômicas.
Já a "inflação sentida" é microeconômica, ligada ao padrão de consumo específico de cada família. Uma família que gasta 40% da renda com alimentação sentirá muito mais os aumentos no supermercado do que a redução no preço dos combustíveis.
Para entender melhor: imagine que o preço dos carros caiu 10%, mas o arroz subiu 15%. No índice oficial, pode haver equilíbrio ou até deflação. Mas para quem compra arroz todo mês e não planeja trocar de carro, a realidade é de alta de preços.
Essa diferença explica por que tantas vezes os números da economia parecem desconectados da experiência diária da população.
O Contexto Atual: Por Que os Alimentos Continuam Subindo?
Estamos vivendo um período peculiar na economia brasileira. O IPCA de agosto de 2025 foi de -0,11%, mas o acumulado nos últimos 12 meses ainda está em 5,13%. A aparente "deflação" em itens como energia elétrica é, na verdade, resultado de medidas temporárias como o bônus de Itaipu de R$ 936,8 milhões aplicado especificamente em agosto, que mascara os reajustes tarifários de 3,5% e as bandeiras tarifárias vermelhas dos meses anteriores.
Essa situação cria uma falsa impressão de alívio nos preços, quando na realidade:
A deflação mensal não apaga o efeito dos aumentos acumulados
Famílias ainda sentem o impacto dos preços elevados praticados nos meses anteriores
A recuperação do poder de compra é gradual e nem sempre perceptível no curto prazo
Diferentes produtos têm comportamentos distintos, criando experiências variadas entre os consumidores
É importante entender que deflação mensal não significa que os preços voltaram aos níveis do ano anterior. Mesmo com deflação pontual, o índice acumulado em 12 meses ainda pode estar acima da meta, principalmente quando se olha para categorias específicas como alimentação.
O Que Fazer Diante Dessa Realidade
A boa notícia é que o consumidor pode adotar estratégias práticas para lidar com essa disparidade:
Monte seu próprio índice de preços: registre mensalmente os gastos da família e identifique onde os aumentos estão concentrados. Isso ajuda a entender qual é a sua inflação real, não a do noticiário.
Reavalie a lista de compras: substitua marcas ou produtos quando a alta for muito expressiva. Muitas vezes, marcas próprias ou produtos similares oferecem a mesma qualidade por preços mais acessíveis.
Planeje com margem de segurança: considere sempre que a sua inflação pode ser maior do que a oficial, principalmente se você gasta uma proporção alta da renda com alimentação. Reserve um espaço no orçamento para esses imprevistos.
Diversifique fornecedores: compare preços entre diferentes supermercados, feiras e atacarejos. A diferença pode ser significativa, especialmente em períodos de alta volatilidade.
Acompanhe os números que realmente importam: além da inflação geral, fique de olho nos índices específicos de alimentação e dos grupos de produtos que mais pesam no seu orçamento.
O Que Fica Dessa História sobre Inflação
A experiência do nosso ouvinte mostra algo essencial: a inflação oficial não é mentira, mas também não é a verdade absoluta para cada família. Ela é um retrato da média da economia, útil para políticas públicas, mas que pode estar distante da sua realidade doméstica.
O que realmente pesa no bolso depende da cesta de consumo de cada um. Uma família que gasta proporcionalmente mais com alimentação sentirá mais a inflação dos alimentos. Já uma família com gastos diversificados pode, de fato, sentir alívio quando outros setores apresentam deflação.
Por isso, além de acompanhar os índices divulgados pela mídia, é fundamental que cada família conheça e controle os seus próprios números. Só assim é possível tomar decisões mais conscientes, ajustar estratégias de compra e proteger o orçamento do impacto silencioso e desigual da variação de preços.
Lembre-se: você não está imaginando coisas quando sente que o supermercado está mais caro, mesmo ouvindo falar em deflação. Sua experiência é real e reflete uma economia complexa, onde diferentes setores se comportam de formas distintas. O segredo está em conhecer essa complexidade e se adaptar a ela.
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