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Educação e Desenvolvimento no Brasil: O Custo do Atraso

Professora brasileira ensinando grupo de crianças diversas em sala de aula com infraestrutura simples e tecnologia educacional
A educação brasileira em sua essência: dedicação de educadores e potencial de estudantes enfrentando juntos os desafios de infraestrutura. Investir em capital humano é investir no futuro do país.

Publicado em 01/11/2025 / 20:00

Por Ricardo São Pedro (@radiumweb)



A relação entre educação e desenvolvimento econômico não é nova. Economia, sociologia e políticas públicas convergem para uma premissa comum: países que democratizam o acesso ao conhecimento e formam capital humano de maneira ampla e consistente colhem ganhos duradouros de produtividade, renda e cidadania. Ainda assim, o Brasil levou tempo demais para compreender essa equação — e esse atraso cobra seu preço até hoje, agravado pelos impactos recentes da pandemia de COVID-19.


A economista Zeina Latif sintetiza esse ponto com precisão ao afirmar que o país negligenciou o capital humano ao longo de sua trajetória. Segundo ela, o desenvolvimento pleno do indivíduo, incluindo habilidades cognitivas e socioemocionais, é condição para reduzir desigualdades, fortalecer a democracia e consolidar uma classe média representativa — fatores essenciais para um ciclo virtuoso de crescimento econômico.


Um Atraso Histórico


Enquanto países vizinhos avançaram na universalização do ensino básico ainda no início do século XX, o Brasil permaneceu restrito a um modelo educacional elitista. Como destaca Latif, "na virada do século XX, a taxa de matrícula em escola primária na Argentina, Peru e Chile era duas ou três vezes superior à taxa no Brasil". Ou seja, começamos a corrida do desenvolvimento com menos crianças na escola e, por consequência, menos trabalhadores qualificados décadas depois.


No início dos anos 2000, a diferença ainda era expressiva: a escolaridade média no Brasil era de 5,6 anos, contra 8,8 no Chile e 9,1 na Argentina. Isso significa que boa parte da nossa força de trabalho ingressou no século XXI sem completar sequer o ensino fundamental. Embora o país tenha avançado — chegando a aproximadamente 8 a 9 anos de escolaridade média em 2024 — a qualidade do ensino permanece como desafio crítico. Os resultados do PISA 2022 são emblemáticos: o Brasil ficou na 65ª posição em matemática entre 81 países avaliados, evidenciando que quantidade de anos na escola não se traduz automaticamente em aprendizado efetivo.


O Papel do Capital Humano


Em economia, o conceito de capital humano descreve o conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que aumentam a capacidade produtiva de um indivíduo e de um país. Trata-se de um ativo cumulativo: quanto mais cedo e melhor investimos, maior o retorno no longo prazo. O problema é que essa acumulação também tem inércia. Quem atrasa, paga juros altos em forma de baixa produtividade e desigualdade persistente.


Como lembra Zeina Latif, "o investimento tardio e insuficiente na educação de massas está na raiz da fragilidade da economia brasileira". Construímos universidades antes de universalizar o ensino básico, priorizamos uma elite enquanto grande parte da população permanecia sem acesso à alfabetização plena e ao desenvolvimento de competências essenciais. Dados recentes do Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF) mostram que aproximadamente 30% dos brasileiros permanecem analfabetos funcionais — incapazes de compreender textos simples ou realizar operações matemáticas básicas, mesmo após anos de escolarização.


O Impacto da Pandemia: Um Retrocesso Histórico


A pandemia de COVID-19 expôs e aprofundou as fragilidades do sistema educacional brasileiro de forma dramática. Estudos indicam que os estudantes perderam entre 2 a 3 anos de aprendizado, com impacto desproporcional nas famílias de baixa renda. A desigualdade digital — com milhões de alunos sem acesso adequado à internet e equipamentos — revelou que nosso atraso educacional não é apenas histórico, mas também estrutural e tecnológico.


O fechamento prolongado das escolas (o Brasil teve um dos períodos mais longos de escolas fechadas no mundo) comprometeu especialmente a alfabetização e o desenvolvimento de competências básicas. Além disso, a crise de saúde mental entre estudantes e professores criou uma nova camada de complexidade: não basta reabrir escolas, é preciso reconstruir vínculos, recuperar aprendizados e oferecer suporte socioemocional em escala sem precedentes.


Custo Econômico e Social


Esse atraso educacional histórico, agora amplificado pela pandemia, se traduz em desafios concretos e urgentes:


  • Produtividade estagnada há décadas, limitando o potencial de crescimento econômico

  • Baixo desempenho consistente em avaliações internacionais como o PISA

  • Grande desigualdade de renda, perpetuada pela desigualdade educacional e regional

  • Desigualdade regional brutal: estados do Sul e Sudeste apresentam indicadores educacionais significativamente superiores aos do Norte e Nordeste

  • Dificuldade de inserção competitiva no mercado global baseado em tecnologia, inovação e economia do conhecimento

  • Déficit crítico em STEM (ciências, tecnologia, engenharia e matemática), comprometendo a capacidade de inovação

  • Evasão escolar pós-pandemia, com milhões de jovens fora da escola ou em situação de abandono


Países que investiram cedo e de forma contínua conseguiram combinar crescimento econômico com mobilidade social — algo que o Brasil ainda busca consolidar enquanto enfrenta os desafios adicionais da era digital e da inteligência artificial.


Novos Desafios, Velhos Problemas para Educação e Desenvolvimento no Brasil


O século XXI trouxe demandas educacionais que amplificam nossos desafios históricos. Não basta mais ensinar a ler, escrever e calcular — embora muitos ainda não dominem essas competências básicas. O mundo do trabalho exige agora pensamento crítico, criatividade, colaboração, resolução de problemas complexos e adaptabilidade constante.


A chegada da inteligência artificial generativa, como o ChatGPT e ferramentas similares, representa tanto uma oportunidade quanto um desafio. Enquanto países desenvolvidos debatem como integrar essas tecnologias ao ensino, o Brasil ainda luta para garantir acesso universal à internet de qualidade nas escolas. A transformação digital da educação não pode ser um privilégio de poucos — sob pena de aprofundarmos ainda mais as desigualdades existentes.


Além disso, a implementação do Novo Ensino Médio a partir de 2022 e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) representa uma tentativa de modernização do sistema, mas enfrenta desafios de execução, formação docente e desigualdade de recursos entre redes de ensino.


Caminhos para o Futuro


Avanços importantes ocorreram nas últimas décadas, como a expansão do ensino fundamental e médio e o aumento do acesso à universidade. Porém, o desafio atual é mais complexo e urgente: precisamos simultaneamente recuperar os retrocessos da pandemia, garantir qualidade, reduzir desigualdades regionais e digitais, e preparar estudantes para um mundo em transformação acelerada.


O futuro do desenvolvimento brasileiro passa obrigatoriamente por:


  • Recuperação da aprendizagem pós-pandemia com programas intensivos e focados

  • Formação continuada de professores e valorização da carreira docente

  • Gestão escolar eficiente com autonomia e responsabilização por resultados

  • Investimento consistente e bem direcionado na educação básica, com foco em qualidade

  • Combate à desigualdade educacional e digital, garantindo infraestrutura adequada em todas as regiões

  • Letramento digital e preparação para a era da IA, desenvolvendo competências do século XXI

  • Fortalecimento da educação técnica e profissionalizante, alinhada às demandas do mercado

  • Integração efetiva entre escola, tecnologia e mercado de trabalho

  • Apoio à saúde mental de estudantes e educadores

  • Avaliação e monitoramento contínuo de resultados, com transparência e uso de dados para decisões

  • Redução da evasão escolar e garantia de permanência com aprendizado efetivo


O Preço da Inação e o Retorno do Investimento


Investir em educação não é apenas uma política social; é uma estratégia econômica de longo prazo e uma questão de sobrevivência competitiva no século XXI. A história mostra que países que apostaram cedo colheram sociedades mais prósperas, inovadoras e democráticas. O Brasil pagou caro por chegar atrasado a essa corrida, e a pandemia nos fez retroceder ainda mais.


Recuperar esse tempo perdido não é mais opcional — é urgente e existencial. Cada ano de atraso compromete não apenas o futuro econômico do país, mas a vida de milhões de crianças e jovens que merecem as mesmas oportunidades que seus pares em outras nações. A questão não é mais se devemos priorizar a educação, mas se teremos a coragem política e a determinação social para transformar esse discurso em realidade, de forma consistente e sustentável, nos próximos anos e décadas.


O custo da inação é mensurável e crescente. O retorno do investimento em educação de qualidade, embora demore a aparecer, é certo e transformador. A escolha é nossa.

Ricardo São Pedro é engenheiro civil com MBA em Planejamento Financeiro Pessoal e Familiar. Atua como educador e planejador financeiro, promovendo a educação financeira como instrumento de cidadania e transformação social. Idealizador da web rádio Radium, produz e apresenta programas que integram finanças, bem-estar e temas relevantes para a vida dos brasileiros. Também assina artigos no blog da rádio e participa de projetos voltados à inclusão e à segurança financeira das famílias.

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