Violência no Brasil: o reflexo de um país sem estrutura
- Ricardo São Pedro
- 24 de jul.
- 4 min de leitura
Atualizado: 30 de jul.

Publicado em 24/07/2025
Por Ricardo São Pedro (@radiumweb)
O 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela em detalhes um cenário que escancara a face mais cruel da desigualdade no Brasil: a violência. Em 2024, foram 44.127 mortes violentas intencionais (MVI) — uma média de 121 por dia. Ainda que os números indiquem uma redução de 5,4% em relação a 2023, as vítimas continuam sendo, majoritariamente, as mesmas: homens, negros, jovens, pobres e periféricos.
91% das vítimas eram homens, 79% negros e quase metade tinha até 29 anos. 73,8% foram assassinadas por armas de fogo. Quase 6 em cada 10 morreram em via pública. Estes dados não são apenas estatísticas; são sintomas de um país que falha em garantir o mínimo para a sobrevivência digna de milhões de pessoas.
A violência no Brasil como produto da exclusão
A violência não é distribuída aleatoriamente. Ela se concentra nas regiões e corpos mais vulnerabilizados por um sistema histórico de exclusões. Os estados das regiões Norte e Nordeste continuam liderando os rankings de mortes violentas — justamente onde a população tem menos acesso à educação, saúde, infraestrutura básica e oportunidades reais de trabalho.
Onde falta escola, sobra bala. Onde falta emprego, sobra repressão. Onde falta presença do Estado com políticas públicas, sobra presença com viaturas, prisões e repressão armada.
O Anuário mostra que mais de 900 mil pessoas estão presas no Brasil, com 68,7% da população carcerária composta por pessoas negras. A prisão não tem sido solução, mas apenas a extensão da desigualdade — muitas vezes aplicada seletivamente, antes mesmo do julgamento.
Invisibilidades que matam: LGBTQIAPN+ no alvo da violência
Outro dado alarmante está nos registros de crimes contra pessoas LGBTQIAPN+. Apesar da subnotificação (alguns estados sequer possuem sistemas que registrem a identidade de gênero ou orientação sexual das vítimas), os números que vieram à tona são expressivos:
4.929 registros de lesão corporal dolosa contra pessoas LGBTQIAPN+ em 2024.
202 homicídios dolosos, concentrados em estados como Rio Grande do Sul (46), Ceará (32) e Pernambuco (26).
444 casos de estupro contra vítimas LGBTQIAPN+, sendo que 76,8% dessas vítimas foram consideradas vulneráveis.
A maioria das vítimas de homicídios e estupros LGBTQIAPN+ é negra, pobre e jovem.
Mais do que a violência direta, há também a violência da omissão: muitos estados não coletam dados completos. Isso impede que políticas específicas sejam formuladas e aplicadas. É a institucionalização da invisibilidade, onde a ausência de dados significa ausência de direitos.
Letalidade policial e suicídio entre agentes
A violência também aparece do outro lado da farda. Em 2024, 126 policiais cometeram suicídio, superando o número de policiais mortos em serviço (46). Essa realidade aponta para o adoecimento mental dos profissionais de segurança pública, que também são vítimas de um sistema que opera à base da pressão e da precarização.
Paralelamente, a letalidade policial permanece altíssima. Em algumas cidades, mais da metade das mortes violentas são causadas por policiais. Em relação a crianças e adolescentes, 14% das MVI foram cometidas por agentes do Estado. Isso coloca o Brasil na contramão de qualquer política pública de proteção à infância.
A violência contra mulheres continua em alta
O Anuário também mostra um crescimento nos indicadores de violência de gênero. Em 2024, foram registrados:
1.492 feminicídios — sendo 64,3% dentro da casa da vítima, 97% cometidos por homens e 8 em cada 10 por parceiros ou ex-parceiros.
87.545 estupros, o maior número da história.
1.067.556 medidas protetivas de urgência expedidas.
95 mil casos de stalking e 747 mil ameaças — a maioria dentro do ambiente doméstico.
A Polícia Militar recebeu dois chamados por minuto relacionados à violência doméstica. A violência contra a mulher é persistente, estrutural e ocorre de forma contínua, especialmente entre mulheres negras, pobres e com vínculos familiares com o agressor.
Segurança pública se faz com educação, justiça e oportunidades
É impossível dissociar os altos índices de violência da falta de investimento em políticas públicas de base. Segurança pública não se resolve apenas com repressão. É preciso garantir escola, saúde, assistência, cultura, esporte, renda e cidadania. Só assim será possível conter o avanço do crime — e principalmente do crime institucionalizado contra os mais vulneráveis.
Este é o primeiro artigo de uma série especial aqui no blog da Radium. Nos próximos textos, vamos aprofundar os principais recortes temáticos que o Anuário 2025 nos apresenta, como:
A violência contra crianças e adolescentes, que cresceu em todas as faixas etárias;
O aumento dos crimes digitais, como estelionato e golpes virtuais;
A situação do sistema prisional e socioeducativo;
O armamento da população civil e os desafios de controle;
A desigualdade dos gastos com segurança entre os estados brasileiros.
Acompanhe com a gente, pois entender os números é o primeiro passo para transformar realidades.
Se quiser ter acesso ao Anuário na sua totalidade acesse o link abaixo:
Se quiser observar apenas o Inforgráfico do Anuário, baixe o arquivo abaixo:
Comentarios